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Quando a periferia grita: Érika Hilton, Oruam e o desafio das alianças políticas

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    TriboQ Q
  • há 3 dias
  • 2 min de leitura

Por Eduardo Sousa


No Brasil, onde a violência de Estado desenha os limites entre quem vive e quem sobrevive, os encontros entre arte, política e território raramente são simples. O episódio recente entre a deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP) e o rapper Oruam, após uma denúncia de violência policial nas redes sociais, expôs com força os impasses e contradições que marcam a construção de alianças na luta social.

A mobilização começou quando Oruam usou o X (antigo Twitter) para denunciar a morte de um jovem pela polícia em uma favela do Rio de Janeiro. Em resposta, Érika propôs articulação: sugeriu que o artista se conectasse com coletivos de mães de vítimas, movimentos de base e organizações que atuam contra o genocídio da população negra. Não se tratava de um convite ao PSOL nem de apadrinhamento político, mas de uma tentativa de construir um caminho para a ação coletiva.


Ainda assim, a reação foi intensa — e dividida. Parte das críticas veio de setores da própria esquerda e de vozes LGBTQIA+. Oruam já havia sido acusado de declarações machistas e LGBTfóbicas, o que levou muitos a questionarem a escolha de uma deputada trans em dialogar com ele. Outros apontaram a origem do rapper — filho de um suposto chefe do tráfico — como um argumento para deslegitimar qualquer tentativa de aproximação.


Hilton respondeu com firmeza: “Se os filhos fossem responsáveis pelos crimes dos pais, metade dos gays do Brasil estariam presos.” A frase, potente e provocadora, incomodou justamente por desafiar um moralismo seletivo que, por vezes, se impõe até mesmo entre aliados. Enquanto artistas cis-heterossexuais são frequentemente celebrados por gestos mínimos de solidariedade, pessoas LGBTQIA+ enfrentam cobranças por uma coerência absoluta — e, muitas vezes, inatingível.


O episódio escancarou uma encruzilhada que atravessa a militância contemporânea: com quem, afinal, se pode construir alianças? É confortável militar entre iguais. Mas a transformação social efetiva exige disposição para lidar com a complexidade — e para se engajar com figuras periféricas que, mesmo carregando contradições, expressam uma vontade legítima de mudança.


O gesto de Érika Hilton não foi sobre validar Oruam, mas sobre assumir uma responsabilidade coletiva diante do clamor por justiça vindo da quebrada. Foi sobre a urgência de responder a esses gritos, mesmo quando eles não ressoam perfeitamente com as nossas pautas.


A revolução que se almeja não será feita apenas com os já convertidos ao discurso politizado. Ela começa quando há coragem para construir pontes — mesmo em terrenos instáveis. Lutar contra a transfobia, o racismo e a violência de Estado exige mais do que coerência. Exige ousadia.

 
 
 

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