Envelhecer Sendo LGBTQIA+ no Brasil: Desafios, Invisibilidade e Caminhos para um Futuro com Mais Dignidade
- TriboQ Q
- 18 de jun.
- 3 min de leitura
Por Eduardo Sousa
Envelhecer sendo LGBTQIA+ no Brasil significa viver a interseção de dois processos frequentemente marcados pela invisibilidade: o envelhecimento e a vivência de gênero e sexualidade não hegemônicas. O país vem envelhecendo rapidamente — atualmente, pessoas com 65 anos ou mais representam 10,9% da população, frente aos 7,4% registrados em 2010. No entanto, ainda sabemos muito pouco sobre quem cruza a marca dos 65+ pertencendo às siglas queer.
Mesmo sem dados oficiais do IBGE sobre orientação sexual ou identidade de gênero, pesquisas indicam que a população LGBTQIA+ representa de 7% a 10% dos brasileiros. Traduzindo para números absolutos, isso significa que milhões de pessoas LGBTQIA+ estão envelhecendo — muitas já com mais de 50, 60 ou até 70 anos. Ainda assim, a produção acadêmica, embora crescente, aponta que essa vivência permanece carente de atenção, invisível e socialmente fragilizada.

Reprodução: Google
Pesquisas brasileiras e internacionais já evidenciam: pessoas idosas LGBTQIA+ enfrentam uma dupla opressão — o etarismo e a LGBTQfobia. Essa combinação impacta diretamente a saúde mental, com maior incidência de depressão, ansiedade e declínio cognitivo. Também há maior prevalência de condições físicas como hipertensão, diabetes e artrite, todas associadas ao estresse crônico vivido por minorias. Dados do Hospital Albert Einstein e da USP revelam uma disparidade preocupante no acesso à saúde: 31% das pessoas LGBTQIA+ com mais de 50 anos estão no pior nível de acesso, comparado a 18% entre heterossexuais da mesma faixa etária. Outro dado alarmante: apenas 40% das mulheres LGBTQIA+ fizeram mamografia, contra 74% das heterossexuais.
Esse cenário se agrava nas instituições de longa permanência (ILPIs), onde o modelo de atendimento costuma ser cis-heteronormativo. Há falta de protocolos inclusivos e profissionais despreparados, o que leva muitos idosos LGBTQIA+ a temer ou evitar a institucionalização. O luto também sofre impacto pelo duplo estigma: pessoas LGBTQIA+ idosas muitas vezes têm seu sofrimento afetivo deslegitimado, com menos reconhecimento social para vivenciar suas perdas.
Um fator central nessa discussão é a rede de apoio. Idosos LGBTQIA+ tendem a contar mais com amigos e parceiros — a chamada “família de escolha” — e menos com apoio biológico. Essa rede, no entanto, nem sempre é suficiente diante de situações de crise ou necessidade de cuidados intensivos. A situação é ainda mais grave entre pessoas trans: a expectativa de vida dessa população no Brasil é de apenas 35 anos, segundo levantamentos recentes. Existe pouquíssima visibilidade de pessoas trans mais velhas, o que evidencia a falta de políticas públicas e de dados específicos.
Do ponto de vista político, o Brasil conta, desde 2011, com a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, que deveria garantir acesso igualitário, respeito ao nome social, prevenção de ISTs e atenção integral à saúde. Porém, sua implementação é desigual, esbarrando em práticas heteronormativas no SUS, falta de formação profissional e carência de ações específicas para a população com 60 anos ou mais.
Para garantir um envelhecimento digno e inclusivo, algumas frentes urgentes se destacam:
Formação profissional: Estudantes e profissionais da saúde e assistência social precisam estar preparados para acolher essa população com sensibilidade — tanto na atenção primária quanto nos protocolos das ILPIs.
Políticas afirmativas e intersetoriais: É necessário reforçar as políticas de atenção integral, com foco específico na população LGBT+ idosa, levando em conta recortes de raça, classe, orientação sexual e identidade de gênero.
Espaços seguros e redes comunitárias: A ampliação de espaços autônomos, como clubes intergeracionais, grupos de convivência e casas de acolhimento, é fundamental para reconhecer as demandas específicas de quem envelheceu fora do armário.
Produção de dados e pesquisas: Iniciativas como o projeto “Vivacidade e Envelhecer com Orgulho” (UCB/CNPq) já começaram a mapear a realidade de LGBTQIA+ com 50+ em cidades como Brasília, São Paulo e João Pessoa. Mas é essencial intensificar esse tipo de trabalho, com recortes por região e grupos específicos.
Escrever sobre envelhecer enquanto LGBTQIA+ é também reconhecer trajetórias de resistência. Muitas dessas pessoas viveram repressão, preconceito e enfrentaram contextos familiares adversos. Hoje, ao celebrar suas identidades e afetos na velhice, reafirmam que envelhecer queer é, também, um ato político.
O desafio é construir uma agenda que vá além da sobrevivência: que abrace a dignidade, ative direitos e valorize a descentralização das políticas públicas. É urgente garantir reconhecimento pleno — do SUS à cultura, do luto à sexualidade e aos cuidados finais. Envelhecer com orgulho, visibilidade e coletividade não pode ser exceção. Precisa ser um direito.
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